Artigo: As academias científicas no Brasil

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As academias científicas no Brasil

Por Zenório Piana*

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A relevância mundial

 

As academias científicas desempenham um papel importante na organização e disseminação do conhecimento. Sua origem remonta à Antiguidade, mas seu formato moderno começou a surgir no Renascimento, acompanhando o florescimento do pensamento científico. Na Grécia Antiga, instituições como a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles podem ser vistas como precursoras das academias científicas. Elas reuniam intelectuais para discutir filosofia, ciências naturais e matemática. Durante a Idade Média, o conhecimento ficou amplamente restrito às universidades e mosteiros, sob forte influência religiosa.

 

Com o Renascimento, a redescoberta dos textos clássicos e o avanço de métodos experimentais impulsionaram o surgimento de novas formas de organização intelectual. A Renascença Italiana viu a criação de grupos dedicados ao estudo de ciências naturais, como a Accademia dei Lincei, fundada em 1603, em Roma, por Federico Cesi. Considerada a primeira academia científica moderna, ela foi formada para promover o estudo da natureza com base na observação e no método experimental. O século XVII testemunhou o estabelecimento de instituições que moldariam a ciência como a conhecemos. Em 1660 foi fundada a Royal Society of London que, rapidamente, se tornou um modelo para outras academias. Com seu lema Nullius in verba (Nas palavras de ninguém), a Royal Society defendia a independência da ciência em relação à autoridade religiosa ou política, promovendo o empirismo e o método científico. Pouco depois, em 1666, o rei Luís XIV da França estabeleceu a Académie des Sciences. Esta academia, com apoio estatal, foi pioneira na profissionalização da ciência e na publicação de estudos em revistas científicas, consolidando o papel das academias como plataformas de comunicação acadêmica.

 

Essas instituições desempenharam um papel vital na revolução científica, proporcionando redes de comunicação para cientistas como Isaac Newton e Robert Hooke na Inglaterra, e René Descartes e Blaise Pascal na França. Durante o Iluminismo, as academias se proliferaram pela Europa, com destaque para a Academia de Ciências de Berlim (1700) e a Imperial Academia de Ciências da Rússia (1724). Essas instituições não apenas centralizavam a produção de conhecimento científico, mas também ampliavam seu alcance social, promovendo debates públicos sobre ciência e sua aplicação prática.

 

No século XIX, com a industrialização, as academias passaram a desempenhar um papel ainda mais estratégico, contribuindo para inovações tecnológicas e para o avanço da ciência aplicada. Nesse período, surgiram instituições de renome fora da Europa, como a National Academy of Sciences nos Estados Unidos (1863). Com a explosão do conhecimento científico no século XX, as academias se tornaram organismos cruciais para a cooperação internacional. A criação de redes como o International Council for Science (ICSU), em 1931, ilustra a importância crescente de parcerias entre diferentes países para lidar com desafios globais. Além disso, muitas academias nacionais começaram a desempenhar funções consultivas, assessorando governos em questões científicas e tecnológicas. No Brasil, a fundação da Academia Brasileira de Ciências (ABC), em 1916, representou um marco na organização da ciência no país.

 

Ao longo de sua história, as academias científicas evoluíram de pequenos grupos de intelectuais para instituições complexas, influentes e globalizadas. Hoje, elas desempenham um papel vital na orientação de políticas públicas, no avanço do conhecimento científico e na solução de problemas globais. Sua história reflete a própria evolução do pensamento científico, da observação individual ao esforço coletivo em escala planetária. A Academia de Ciências da África do Sul (Assaf) e a InterAcademy Partnership (IAP) divulgaram, em 2016, uma pesquisa pioneira sobre a presença feminina nas academias científicas em todo o mundo. O panorama apontava para um déficit na representatividade global. Das 69 academias nacionais pesquisadas, as mulheres ocupavam apenas 12% dos postos.

 

 

A presença delas no Brasil

 

As academias científicas no Brasil também desempenham um papel importante no desenvolvimento e promoção da ciência. Sua trajetória reflete os desafios e avanços da produção científica nacional desde o período colonial até os dias atuais. Durante o período colonial, a ciência brasileira era incipiente, sendo limitada principalmente às expedições de naturalistas europeus que documentavam a biodiversidade e os recursos naturais do território. Não havia uma infraestrutura dedicada à pesquisa ou ao ensino científico. Somente no século XIX, com a vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808, surgiram os primeiros esforços para institucionalizar a ciência. A fundação de instituições como o Real Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (precursora da Escola Politécnica) marcou o início de um processo mais organizado de produção e disseminação de conhecimento científico.

 

A criação da Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 3 de maio de 1916 representou um marco na história científica do Brasil. Inspirada em modelos internacionais como a Royal Society britânica e a Académie des Sciences francesa, a ABC nasceu com o objetivo de promover o progresso das ciências e sua aplicação ao bem público. Inicialmente denominada Sociedade Brasileira de Ciências, a instituição foi idealizada por intelectuais e cientistas como Henrique Morize, engenheiro e diretor do Observatório Nacional. A ABC rapidamente se tornou um espaço de referência para pesquisadores brasileiros, promovendo encontros científicos, publicações e parcerias internacionais. Além disso, a ABC desempenhou um papel importante na valorização da ciência como instrumento de desenvolvimento nacional. Durante as primeiras décadas do século XX, a academia esteve envolvida em debates sobre educação, industrialização e inovação tecnológica, promovendo a ideia de que o progresso do Brasil dependia de uma base científica sólida.

 

O século XX propiciou avanços significativos para a ciência brasileira, com o surgimento de outras academias regionais e temáticas. Em paralelo, o governo federal começou a investir na criação de universidades e centros de pesquisa, como a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951.
Hoje, a ABC e outras instituições, como a Academia Nacional de Medicina e academias estaduais, desempenham um papel estratégico no avanço da ciência brasileira. Elas funcionam como pontes entre a comunidade científica, a sociedade e o governo, influenciando políticas públicas e promovendo a educação científica.

 

Como instituição pioneira no Brasil na área agronômica, a Academia Pernambucana de Ciência Agronômica (APCA) foi fundada em 30 de setembro de 1983 e implantada em 31 de maio de 1984. No dia 28 de julho de 2010, em nome de todos os integrantes da APCA, criou-se a Academia Brasileira de Ciência Agronômica – ABCA, constituída por engenheiros agrônomos brasileiros radicados nas diversas regiões do Brasil, de notável saber agronômico e ilibada idoneidade. A ABCA foi composta por 100 patronos e acadêmicos titulares com formação em engenharia agronômica, nas diversas áreas de especialidade e provenientes de diversas regiões do território nacional. A ABCA teve como base de sua pirâmide, os 30 patronos e acadêmicos titulares egressos da APCA, tendo Eudes de Souza Leão Pinto como presidente e Alysson Paolinelly como vice-presidente.

 

A história das academias científicas no Brasil reflete o esforço contínuo para consolidar a ciência como base do desenvolvimento nacional. Desde suas origens no século XIX até os desafios contemporâneos, essas instituições têm sido protagonistas na construção de um sistema científico mais robusto e integrado no país.

 

 

As academias científicas em Santa Catarina

 

Santa Catarina, um estado conhecido por sua diversidade cultural, tem uma rica tradição na produção e disseminação do conhecimento científico. As academias científicas no Estado começaram a se consolidar no final do século XIX e início do século XX, acompanhando a expansão das instituições de ensino superior no Brasil. A fundação da Escola de Engenharia de Santa Catarina, em 1917, foi um marco importante, pois trouxe à tona a necessidade de organizações que incentivassem a pesquisa e o intercâmbio acadêmico. A influência de imigrantes europeus, especialmente alemães e italianos, também foi determinante para o desenvolvimento científico na região. Esses grupos trouxeram consigo a tradição de sociedades de estudos e associações acadêmicas, que influenciaram a criação de instituições locais voltadas à ciência.
No decorrer do século XX, o surgimento de universidades como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fundada em 1960, foi um divisor de águas. A UFSC não apenas formou gerações de pesquisadores como também serviu como um polo para a organização de academias científicas, tal como a Academia Catarinense de Ciências (ACC). Fundada em 1975, a ACC tornou-se uma das principais referências no estado, reunindo cientistas de diversas áreas para debater questões relevantes e promover a excelência acadêmica. Além disso, a criação de outras academias temáticas, como a Academia Catarinense de Letras e Artes, também contribuiu para o enriquecimento do cenário intelectual.

 

Nos últimos anos, as academias científicas de Santa Catarina têm se adaptado às demandas contemporâneas, como a necessidade de soluções sustentáveis e a integração digital. Instituições como a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) desempenham um papel fundamental no fomento à pesquisa e no apoio às academias. Apesar dos avanços, as academias científicas em Santa Catarina enfrentam desafios, como o financiamento limitado e a necessidade de maior inclusão social. A promoção da ciência cidadã e a interação com diferentes setores da sociedade são fundamentais para garantir a continuidade e o impacto dessas instituições.

 

O futuro das academias científicas no Estado dependerá de sua capacidade de inovar e de atrair novos talentos. Além disso, o fortalecimento de parcerias com organizações nacionais e internacionais será essencial para manter sua relevância em um mundo cada vez mais interconectado. Desde suas origens até os dias atuais, as academias científicas desempenham um papel central na construção de uma sociedade mais instruída e preparada para os desafios do futuro. Com investimento e colaboração as academias catarinenses continuarão a ser um pilar importante para o avanço da ciência e da tecnologia. Daí a importância da criação da Academia Catarinense de Ciência Agronômica – ACCA, que reunirá profissionais renomados da área para apoiar o já bem sucedido trabalho das instituições públicas no desenvolvimento da agropecuária do Estado, com vistas a aumentos de produtividade, redução do uso de insumos, organização social efetiva e justa, desenvolvimento e bem estar dos trabalhadores do setor, redução da penosidade do trabalho e garantia da segurança alimentar, entre outros.

 

A ACCA tem por objetivo primordial contribuir para o desenvolvimento e o progresso da agronomia e da engenharia agronômica no Estado de Santa Catarina. Os compromissos da academia são os de colaborar com instituições de ensino superior, de pesquisa científica e tecnológica, de extensão rural, de atividades culturais e científicas; conselhos profissionais, entidades de classe e órgãos governamentais, visando o desenvolvimento e o aprimoramento da ciência agronômica. A ACCA pretende, também, promover, preservar, divulgar e publicar produções intelectuais e técnico-cientificas dos acadêmicos relacionadas à ciência agronômica; colaborar e participar da organização de eventos técnico-científicos, acadêmicos, de modo a aumentar o nível do conhecimento e de inovação dos engenheiros agrônomos; bem como incentivar, apoiar e zelar pelo aperfeiçoamento e melhoria do ensino agronômico, da ciência, da cultura agronômica em Santa Catarina, assim como o cumprimento da ética profissional e da preservação da memória dos profissionais da área.

 

Atualmente a ACCA, recém criada, é a segunda academia científica estadual na área agronômica, sendo a primeira a APCA de Pernambuco. Esperamos que venha contribuir com a ciência e o desenvolvimento estadual e seja um incentivo para a criação de outras, nos vários estados brasileiros.

 

 

*Zenório Piana – Engenheiro agrônomo, mestre e doutor em agronomia. Presidente da Academia Catarinense de Ciência Agronômica – ACCA.
dr.piana@gmail.com